A busca de um homem por 2 passarinhos perdidos
Naquele dia ensolarado, um rapaz caminha por uma estrada de terra entre duas áreas verdes. Os dois lados planos são de Mata Atlântica e lembram um brejo menos encharcado. Dali se vê os morros à distância, tão característicos daquela natureza. Mas o rapaz não precisa ver muita coisa: ele precisa ouvir.
De um dos bolsos tira uma caixa de som. Do outro, um celular. Os dois aparelhos são conectados pelo bluetooth. O objetivo é encontrar dois amigos: um casal de tico-tico que vive voando por ali, juntinhos, em revoada.
Tudo no rapaz é carismático a começar pelo nome: Miguel Malta Magro (MMM). O biólogo é professor e organizador de excursões para encontrar, ouvir e fotografar pássaros na Serra do Mar em São Paulo, um lugar que parece ao mesmo tempo encantado e assombrado.
Não sei se ele é o melhor especialista em pássaros que existe, mas é o melhor que conheci na vida. Ele usa uma touca embaixo do sol - faz parte do look - e um colete com vários bolsos onde cabem uma dezena de ferramentas convenientemente úteis e sempre esquecidas por nós, mortais.
“O casal que me conhece vive por aqui”, diz ele para as três pessoas que o seguem.
É frustrante tentar ver e ouvir o que ele ouve. Ele deve ter quatro ouvidos: dois para conversas entre seres humanos e outro par sintonizado na frequência dos passarinhos. Parece se comunicar com eles, como a Branca de Neve.
Miguel dá play em uma lista com centenas de cantos de pássaros no celular e ergue o braço. O som vai se propagando na paisagem.
Em uma caminhada de 200 metros, pelo menos 24 aves são registradas em seu caderno. O trio que o segue na excursão não escutou nada. Um deles, em tentativas de interação, pergunta qual ave faz um barulho alto e estranho. “Não é ave. É uma cigarra”, explica. O grupo continua atrás do casal de pássaros.
“Eu os conheço há mais de dois anos”, diz Miguel para si mesmo. “Acho que não vão me deixar na mão”.
O som do canto continua, prolongando-se, indo, indo, indo pela mata. Nada.
Ele caminha de um lado para o outro. “Por aqui tem gente andando de moto. Pode ter assustado eles”, reflete.
Miguel não está inseguro com o desencontro. Sabe que irá encontrá-los ali, como fez muitas vezes.
O receio é que possa ter acontecido algo com os amigos ameaçados de extinção. Capturados, talvez.
Há uma sensação estranha em pensar que muitas aves deixaram de existir e tantas outras não existirão.
São seres maravilhosos para a projeção humana: há os estorninhos falantes capazes de imitar qualquer som; as araras e papagaios monogâmicos que levam uma vida inteira como casal; os pombos sujos e resistentes que nos fazem lembrar da insistência da vida sob os efeitos da cidade; o urubu com aparência tão repugnante como seus hábitos alimentares; o beija-flor.
“Aqui eu entendo tudo, mas se eu for para a Amazônia sou praticamente surdo. É outra realidade”, diz Miguel.
Se os pássaros cantam só a noite, ele anda sozinho pelo mato e ouve o canto melancólico do excêntrico urutau, desvia de cobras, registra o piar das corujas.
Mas o casal do tico-tico-do-banhado não veio lhe cumprimentar naquele dia. Ele esperava por eles com o braço erguido. O som a ecoar.
Depois de vários minutos, um galho lá longe se mexe.
“São eles”.
Dois passarinhos aparecem. Cantam juntos. Rodopiam e pousam em galhos.
Eles pulam de um lado para o outro afobados, juntinhos.
“Eu sabia que vocês não iam me deixar na mão!”, sorri Miguel.
São tão pequenos que é difícil vê-los. Voam ao redor do outro e parece pousar para a câmera de Miguel. Voam de novo entre os galhos: somem, desparecem, rodopiam no sol quente. Miguel os ouve a bater asas cada vez mais longe, longe, longe... Livres.
Leitura interessante
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A Luiza Caires é autora da Polígono, sua próxima newsletter. Ciência de um jeito fácil e interessante vinculado ao espetacular site Núcleo.
Frase desinteressante
"“Bonito os prédios aqui, né?”"
(Anônimo no Jardim Botânico de Curitiba, maio de 2018)
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