A história bonitinha de um hospital exclusivo para plantas
No dia 1 de maio de 1994, a paisagista Marisa Carneiro estava ansiosa em frente à televisão, pois as notícias não eram boas. Ela fazia uma visita para a sobrinha quando, na Itália, o piloto Ayrton Senna sofreu um grave acidente.
Enquanto os minutos passavam e a aflição aumentava, Marisa reparou em um vaso no canto da sala que continha apenas um graveto ressecado. Era uma árvore da felicidade, ou melhor, um projeto de árvore. Por curiosidade, ela perguntou à sobrinha, dona do galho irrecuperável, se poderia adotá-lo.
Atualmente com 66 anos, Marisa teve uma ideia incomum: criar um hospital para plantas. O negócio está localizado em São Paulo, onde as plantas são tratadas, recuperam-se e são liberadas para retornar aos seus donos.
O “Hospital de Plantas Paraíso do Ipiranga” (HPPI) não se assemelha a um hospital convencional, é claro. Situa-se em um terreno de 120 metros quadrados, próximo a uma avenida no bairro do Ipiranga.
Todos os dias, Marisa monitora a saúde dos pacientes: limoeiros, videiras, cactos, espadas-de-São-Jorge, suculentas, palmeiras e flores com pétalas cor-de-rosa, azuladas e vermelhas. Uma trilha estreita leva a uma composteira habitada por inúmeras minhocas. O ambiente é tranquilo, semelhante a um hospital humano, exceto pelos sons dos galhos balançando ao vento.
Durante a pandemia, o negócio decolou. Algumas pessoas cultivaram plantas para se conectarem à natureza enquanto esperavam por boas notícias que as tirariam do isolamento social. Outras, assim como Marisa no passado, redescobriram os vasos esquecidos nos cantos de suas casas, compartilhando o espaço com o escritório em casa. Em situações mais tristes, familiares que perderam a vida devido ao vírus deixaram suas plantas sem herdeiros para cuidar delas.
Assim, a receita do negócio mais que dobrou. O faturamento mensal, que era de cerca de R$ 12 mil, agora ultrapassa os R$ 30 mil. A taxa de internação varia de R$ 30 para uma orquídea de 15 cm até R$ 300 para uma árvore média. Há também uma taxa de estadia mensal de cerca de R$ 60 para hospedar as plantas. O número crescente de telefonemas em busca de ajuda torna cada vez mais desafiador atender a todos.
No entanto, o sucesso não se resume apenas a números. Marisa ouve e aconselha os clientes, proporcionando a eles um espaço para compartilhar suas histórias, como em um divã inesperado. Aproximadamente 150 novas "pacientes" são atendidas mensalmente. "As plantas são portadoras de memórias, e as pessoas ficam felizes ao ver sua recuperação", afirma Marisa.
A médica Mary Carla Esteves Diaz, 51 anos, internou uma árvore da felicidade no hospital em abril de 2021. Mary a deslocou para diferentes lugares, experimentou sol e sombra, consultou jardineiros. Parecia impossível salvar a planta, que pertencia à mãe que morreu em 2015. Na época, tanto a planta quanto a nova dona passavam por momentos difíceis.
Mary havia sido diagnosticada com câncer e, nos momentos mais complicados da doença, a árvore da felicidade trazia a ela memórias de infância e da mãe. "Eu precisava de uma lembrança viva", ela compartilha.
Desesperançosa, uma ideia levemente lúdica e talvez improvável surgiu: "Deve haver um hospital para plantas, assim como há hospitais para seres humanos e animais." Para sua surpresa, isso realmente existia.
Por volta de junho de 2021, a quimioterapia de Mary foi concluída pelos médicos. Coincidentemente, ela recebeu uma ligação: era Marisa. Do outro lado da linha, Marisa compartilhou que a árvore da felicidade estava se recuperando muito bem. Havia chegado a hora da alta. "Quando vi a planta viva, senti como se ela estivesse sorrindo para mim", diz Mary. "Até comprei um vaso maior, um novo 'leito' para ela aqui em casa."
O tratamento no hospital inclui a troca e aplicação de nutrientes naturais no solo, adubagem, poda, remoção de insetos, troca de vasos e acompanhamento individualizado de acordo com a espécie. Os sinais de uma planta doente são evidentes: folhas secas, amareladas e galhos sem vida. No entanto, nem todos possuem as habilidades para cuidar delas.
Não surpreendentemente, o público do hospital está ficando cada vez mais jovem, muitas vezes inexperiente ou ocupado com trabalho e estudos. Marisa simplifica o processo, enviando alguém para buscar as plantas ou as recebe em seu terreno, onde conta com a ajuda de um assistente e um jardineiro. "Cuidar das plantas é terapêutico e também uma forma de exercício", ela observa.
Nascida em Londrina, Paraná, Marisa mudou-se para diversas cidades de São Paulo durante os anos 90. Nessa mesma época, na casa da família no interior, ela encontrou a árvore da felicidade desbotada e esquecida no canto da sala, próxima à televisão. Ela plantou a árvore no solo, observou seu crescimento e a devolveu a um vaso. A planta continua viva até hoje. "Ela realmente se recuperou. Tão linda!", ela relembra.
As histórias de vida que chegaram ao fim e o renascimento representado pelas plantas inspiraram Marisa a criar seu próprio e notável hospital.
"Aquele dia levou Ayrton Senna de nós, mas ele vive através dessa homenagem que criei para ele. Não é uma história bonita?”
Frase desinteressante
“Eu não tenho sorte. Eu tenho lapsos de sorte”
(Balconista de um mercadinho na Liberdade, em agosto de 2023)
Link interessante
Quero recomendar muito a Viva São Paulo, uma newsletter que foi bastante generosa comigo e que tem as melhores dicas para curtir a maior cidade.
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Correção desinteressante: na última edição, o leitor Wanderley Neves fez considerações sobre espiritismo. Dei um tapa no texto, que agora tá corrigido.
Adorei esse texto!!!
Eu gostei muito desse texto. Compartilhei na minha newsletter, Marcos. Um beijo.