A história chocante de guerra e maldicões causada por um… Abacate
A vida dos Maias e Astecas bombava entre os séculos 300 e 900. Eles estavam no point do momento para onde iam turistas cheios de bugigangas, adornos e línguas. Teotihuacan (Cidade do México) e Monte Alban (Oaxaca), em especial, estavam no auge. Existia uma escrita própria, grandes monumentos, sociedades até organizadas. Os Maias tinham até um calendário dividido em 18 meses, uma baita novidade. O 14º mês recebeu uma homenagem especial: foi batizado K’an K’in, o que significava… Abacate.
O mesmo abacate do avocado toast, do mel, do açúcar ou da guacamole já foi sagrado para grandes sociedades. Fosse o Jardim do Éden no México, o abacate seria o fruto proibido oferecido pela serpente (e imagine se Adão e Eva fossem mexicanos). Até hoje, o abacate é importante para a economia de várias cidades e países, mas há também um lado sombrio dessa fruta.
O abacate parece despertar os desejos mais passionais e atrair os maiores pilantras que existem, corrompendo os humanos e os enriquecendo, criando impasses diplomáticos e deflagrando até conflitos armados. Lembra a perniciosidade do anel do poder, como imaginado por Tolkien.
Falando nisso, a Nova Zelândia também sofre pela influência do abacate. Por lá, os crimes comuns são praticamente inexistentes, mas a polícia sofre há anos para combater traficantes que invadem fazendas, roubam e vendem abacate mais barato no Facebook. Em termos neozelandeses, é uma dor de cabeça equivalente aos tiroteios no Rio de Janeiro.
Na vizinha Austrália, a fruta também causou revolta. Os agricultores australianos enfiaram uma grana pesada no abacate, o que fez a produção ser maior do que as vendas. Para manter os preços (altos) sob controle, abacates foram encontrados descartados pelas ruas e enfureceram a população revoltada que paga caro para comer um avocado toast.
Bem, e você deve saber o que aconteceu com as antigas civilizações da Mesoamérica. Os astecas foram dizimados pelos espanhóis a partir de 1542 e eram grandíssimos fãs da fruta. O gosto por abacate era tão grande que havia uma cidade chamada Ahuacatlán, ou “onde nascem os abacates”. Acreditava-se que os abacates, ou ahuacatl, davam ferocidade aos homens. O motivo é fálico: a tradução de ahuacatl é testículo. Porque, anh, lembra um saco escrotal com uma bola dentro.
Até hoje, o México é o maior produtor de abacates do mundo e domina mais de 30% da produção e 40% das exportações. Os Estados Unidos são o maior freguês e o abacate é servido no Taco Bell, vendido pronto nos mercados e comido como guacamole durante o Super Bowl. Há grandes cidades mexicanas, como Michoacán, onde a maioria dos 5 milhões de habitantes depende desse negócio, o que movimenta 3 bilhões de dólares anualmente para o México.
Mas, lembrando, o abacate cobra um preço. Nos últimos dez anos, os cartéis mexicanos têm extorquido pequenos produtores e tomado lavouras. Algumas vilas se armaram em milícias contra os traficantes. Uma guerra, mais uma. Para fiscalizar a origem das frutas, os Estados Unidos enviou um fiscal, que foi ameaçado de morte e, em troca, a importação foi proibida em 2022. Um embate diplomático foi travado entre os dois governos - mais um causado pela fruta.
O comum no Brasil era o abacate doce, comido com bastante açúcar, mel e umas gotinhas de limão. Hoje, a versão salgada tá cada vez mais famosa. “É uma onda que vem muito de Nova York e a gente acabou entrando nessa febre. É uma fruta que vai bem com pratos salgados e doces, também funciona para veganos e vegetarianos”, me explicou Thais Alves, chef do restaurante Factório, de São Paulo. E, claro, outro detalhe: “é uma fruta muito instragamável”, diz.
Claro, você deve ter percebido: o abacatão mais conhecido no Brasil não funciona para fazer uma guacamole. O abacate quintal, o maior cultivado por aqui entre março e julho, é bem maior e mais pastoso do que o abacate avocado, que é menorzinho, mais escuro e com conteúdo firme para mergulhar uma Doritos.
O nome técnico desse abacate avocado é “avocado Hass”, em homenagem a Rudolph Hass, carteiro e inventor dessa variedade da fruta. Mas, não fosse a Guerra do México encerrada em 1894, ele talvez tivesse entregado cartas a vida inteira. Após a batalha sangrenta com milhares de soldados mortos, os mexicanos cederam para os Estados Unidos a região onde é a Califórnia.
Em uma revista que iria entregia, Hass viu uma chamaa de capa sobre o potente mercado mexicano de abacates e notou. “Pô, aqui era o México. Vou tentar também”. Claro, mas não com essas palavras (ele falou em inglês). O carteiro comprou um terreno, cruzou sementes e chegou no avocado, como conhecemos. Nos anos 30, patenteou a fruta. Nos anos 50, o negócio estourou ao ser usado em saladas. Hoje, o estado da Califórnia é o único capaz de competir com os mexicanos.
Por muitos anos, o abacate foi associado como uma fruta calórica ou um condimento equivalente a um ketchup. Graças ao lobby do mercado, ela começou a ser associada como uma fruta levinha para a dieta. “Até a Ana Maria Braga começou a fazer receita salgada com abacate”, me disse Jonas Octávio, um dos diretores da Associação Brasileira dos Produtores de Abacate (ABPA). Resultado: em 2021, o Brasil produziu 300 mil toneladas de abacate (!), diz o IBGE.
Para aproveitar, os empresários abriram o Avoca Toast, restaurante em São Paulo onde todos os pratos têm abacate. O dono diz ter faturado R$ 2 milhões só no primeiro ano, ainda na pandemia.
“Entre os itens com maior saída estão o Avocabaked, tostada que tostada que leva avocado amassado, temperado com sal, pimenta do reino e azeite, limão siciliano e flocos de pimenta calabresa no pão artesanal, e o sanduíche de bagel com salmão gravlax”, escreveu uma revista de negócios. (Alguém sabe o que é gravlax?)
Bom negócio, claro. Mas é bom ter cautela. A ABPA afirma que as mudanças climáticas causaram ventanias, chuvas em excesso ou seca que, juntos, diminuíram 10% da safra entre 2021 e 2022 no estado de São Paulo, um dos maiores produtores no país. Muita gente ficou sem saber como reagir, afinal, esse cultivo é praticamente o mesmo há mais de 10 mil anos.
A colheita dos abacates foi aprimorada durante milênios por Maias e Astecas, que sabiam como colhê-los na época certa e onde plantá-los. Havia a crença de que os antepassados voltariam como árvores para alimentar as famílias. Tanto que os abacateiros eram plantados sobre túmulos de pessoas comuns ou também das realezas, como um monumento natural, uma continuidade da vida..
O espanhol Martín Fernández de Enciso era mais simplório do que isso. Em 1515, ele tentou colonizar onde hoje é a Colômbia, mas a operação foi um fiasco. Ele também havia prometido para os chefes que lá estaria Eldorado, mas claro, deu de cara com um povo indígena cuidando da própria vida. Sem saber como dialogar, ele tentou tomar à força o ouro (que existia na cabeça dele). As embarcações foram afundadas pelos indígenas, que aproveitaram para flechar quem pudesse. Enciso voltou para a Espanha com o rabo entre as pernas.
Para se redimir, ele lançou um livro sobre viagens até a América. A obra detalhou povos, bichos, árvores e a culinária. Nesse último quesito, ficou encantado com um prato típico dos locais. “Parece uma manteiga, com um sabor impressionante”, escreveu em 1518. Ele poderia ter morrido alguns anos depois como mais um espanhol com tendências genocidas daqueles tempo, mas acabou entrando para a história. Enciso foi o primeiro europeu a descrever um abacate.
Leitura interessante
Adorei esse texto da Priscila Pacheco sobre timidez. A news dela, inclusive, é pra assinar no ato.
Finalmente um texto para exaltar o abacate e eu nem sabia dos conflitos geopolíticos causados pela iguaria. É realmente uma fruta épica, os maias estavam corretos.
a imagem de um abacate como uma manteiga nunca vai sair da minha cabeça...