A história de uma amizade que acabou em uma cidade fria
O texto a seguir é uma história de amizade enviada para a Desinteressante pela leitora Diuliane Castilhos. Em abril, pedi para os leitores me escreverem sobre a separação de um amigo. O término entre amigos me fascina. Os namoros acabam quase sempre burocráticos, mas a amizade encerra e a gente nem percebe ou entende. Ao longo dos meses, troquei e-mails com Diuliane e durante mais algumas semanas escrevi a publicação que você lê agora. Meu convite continua aberto e registro meu agradecimento pela confiança para a Diuliane. Obrigado e boa leitura.
Segue,
Saí de casa aos 18 anos, quando comecei a organizar eventos em Caxias do Sul. Meus pais se mudaram para lá quando eu tinha 5, em busca da estabilidade na cidade com o lema “da fé e do trabalho”. Sem perceber, também abracei os empregos que tive de forma fervorosa, como indicavam as placas, cada trabalho me mudou mais do que pude controlar. Meu trabalho também era minha saída: se me dedicasse com afinco, poderia abrir uma produtora de eventos e, no futuro, mudar para uma cidade maior. Era o que queríamos, eu e o Luiz. Uma cidade maior. Nos afastar dos reacionários individualistas, ter a possibilidade de ter mais perspectivas.
Lembro quando você falou comigo pela primeira vez. Seu objetivo era fazer uma reportagem para o jornal da cidade, conhecer as bandas, os músicos, as casas. Nós conversamos a madrugada toda e pareciamos nos conhecer há muito tempo. Fechamos o bar e, como de costume, fazia muito frio.
“Você quer dormir no sofá lá de casa?”, perguntei. Já era muito tarde.
“Relaxa, eu vou andando até o centro”, você respondeu.
O sonho de criar uma produtora de eventos começou ali, naquela noite, talvez como uma brincadeira, embora não tivéssemos desmentido a ideia a ponto de desacreditar em sua possibilidade. O nome da empresa seria “chuchu” - como você me chamava (ok, um pouco brega). Na verdade, não era bem um sonho. Eu não esperava sair da cidade por este caminho, apenas esperava sair - e sobreviveria das coisas que fossem aparecendo, como já fazia.
Claro, Luiz também tinha uma banda. Um dia, você me chamou para uma festa na tua casa, onde conheci o Chico, então seu melhor amigo. Ele tinha todos os arquétipos que parecia atrair naqueles dias: anarquista, depressivo, traumatizado por motivos que eu desconhecia.
“Preciso falar com você”, me disse Chico. Ele estava transtornado. Me dizia que o boato na cidade era de que você gostava de mim além da amizade. Que você tinha traído a confiança dele. Vocês brigaram - e feio - e a banda acabou. Chico também brigou comigo e nós acabamos. As coisas foram acabando. Nossos grupos de amigos se deterioraram, cada um de um lado da calçada. Nessa altura, eu podia sentir que você, Luiz, era meu melhor amigo em Caxias.
Naquela altura, eu era uma universitária, mais uma estudante quase hippie do único curso de história da cidade. Era bolsista. Invariavelmente, me relacionava com muita gente e me dava mal. Desde que Chico apareceu na porta do meu curso para discutir em voz alta sobre nosso fim e, depois de reencontrá-lo e me desgastado a ponto de ser internada no hospital, você continuou meu amigo.
Quando comecei a namorar, ainda lembro das cores quentes, das serpentinas que voavam sobre nós três quando pulávamos carnaval. Você dizia que estava parecido com o Mac Demarco em sua fantasia. Também lembro de outra festa, quando você me desafiou a usar salto alto durante o tempo todo sem imaginar que hoje, em Florianópolis, longe de Caxias e dos lugares onde nos conhecemos, eu usaria salto alto todos os dias para trabalhar em uma imobiliária.
Em algum momento, quando compramos um ingresso para o show do The Who no Beira-Rio, tudo aquilo que tínhamos começou a ser apagado. Você desistiu do show quando consegui uma estadia para mim e meu companheiro e, até onde lembro, só o fizemos quando você garantiu que tinha onde ficar.
Talvez, você tenha feito parte da lista de coisas das quais me dediquei em excesso e perdi devido à erosão natural do tempo e das minhas decisões, que nem sempre foram bem calculadas e tentavam escapar do tédio da estabilidade tão sonhada pelos meus pais. Perdi minha bolsa de estudos, consegui empregos onde fui demitida, tive burnouts e, com a pandemia, sinto que perdi a última camada da versão de mim que existia quando nos conhecemos.
Gostava da forma como você se relacionava com pessoas diferentes nós nos falávamos o tempo todo. Sinto que superestimei o potencial narrativo dessa história. Mas como explicar o fim de uma amizade? Às vezes, as coisas vão se desligando, amornando. Não é algo que penso o tempo todo, o nosso fim. Assim que voltei a essas memórias, te escrevi uma mensagem:
Leitura interessante
Assina aí o Desafiador do Desconhecido, do Rodrigo Salem. O cara escreve elouquente e simples sobre cinema e televisão, um troço cada vez mais difícil de fazer.
Link desinteressante
A Polícia Federal Rodoviária usa um aplicativo para crianças para monitorar celulares (sem autorização judicial).
Frase desinteressante
"Agronegócio e meio ambiente caminham juntos"
Muito bom o relato!