A história dos mais de mil leitores: obrigado!
Escrevo este e-mail em um quarto de hotel distante de São Paulo onde estou hospedado para fazer aquilo que mais amo: ouvir a história das pessoas. Quando as ouço, percebo que cada um de nós enfrenta uma manobra brusca na vida e algum dilema humano que, quando me são narrados, parecem se tornar parte da minha própria teia de acontecimentos prováveis e também daqueles mais complexos e repentinos. A nacionalidade, a região, os empregos, os sotaques, os idiomas. Tudo isso é indiferente. Para nós, sobram as mesmas dificuldades, alegrias, dúvidas, tragédias, a mentira, as incertezas, os prazeres, as traições, os aromas de sempre e mais uma porção de sensações ancestrais e viradas dramáticas com tamanhos variados de propagação. O que muda com o tempo são as invenções que usamos para propagar nossas histórias. E, para mim, a culpa por essa nossa obsessão em inventar vem desses mesmos sentimentos.
Eu criei a Desinteressante em fevereiro de 2022 para apresentar e reapresentar essas histórias de pessoas anônimas no Brasil e no mundo. Também queria permitir que o estímulo em contá-las continuasse em mim e, quem sabe, naqueles que pudessem me ler. Menos de um ano depois, ultrapassamos a marca de 1 mil inscritos em janeiro de 2023. A taxa de abertura média é de 50%, o que é um número alto neste ramo. Os dados são só uma informação sobre o andar das coisas, mas asseguro que me deixam feliz. Afinal, seria um pequeno passo para o Instagram, mas um grande salto para uma newsletter com tema tão específico. É muito legal que o email, que era cada vez mais antiquado ou institucional, tenha sido resgatado dos spams e boletos sempre pontuais.
Um dos objetivos da newsletter é mostrar que somos ainda muito anônimos, por mais que não pareça nos dias de hoje. Em cada casinha de brasilit, em cada andar de um prédio, um posto (de gasolina ou de saúde), enfim, em cada canto do planeta Terra há uma história humana jamais mapeada. A razão do nome é essa: uma conversa desinteressante de elevador, um small talk, pode nos levar muito, muito distante do que presumimos.
A outra intenção era levar minha visão de jornalismo por aí (uau, falou o importante). Uma reportagem pode ser tão objetiva quanto bater um prego, e tudo bem, mas acho difícil um jornalista passar ileso pelo que pôde ver, ouvir e sentir. Em algum momento, as histórias parecem se costurar às nossas vidas e, com essa influência incontornável do nosso redor, é mais fácil compreender o próximo e criar nossa própria trama particular.
Neste ofício, lidamos com a pressão dos chefes, dos números, do tempo, das pilhas, dos computadores que travam, das gravações ruins e tudo o mais que uma profissão mais ou menos convencional costuma passar. A fala do entrevistado amortece um pouco os choques intrometidos da realidade capitalista, mas é difícil não ser corroído pela ferrugem, por aquela vontade de acabar o dia e ir para casa. A resignação é inevitável em qualquer área e, para ser sincero, é mais ou menos como amadurecemos no mercado de trabalho e não há problema algum com isso.
As grandes empresas jornalísticas tradicionais também sofrem muito há pelo menos 20 anos, quando o dinheiro e atenção de um século de negócio foi distribuído para um monte de outras coisas. Desde que me lembro, os profetas do Apocalipse não deixam o jornalismo em paz e, a cada ano, são mais certeiros. Nosso modelo de negócio é difícil, caro, instável e sobrevive, com sua importância democrática indiscutível, diante de ataques ordenados e de distrações cada vez maiores no próprio ambiente digital.
Eu me formei em 2016 e, não à toa, os cursos de jornalismo são cada vez menos atraentes. Não é um atraso da academia, como já ouvi falar um monte por aí. Há uma dificuldade em apresentar a profissionalização da contação de história em um momento onde todos contamos nossas próprias histórias nas redes. Parece fácil. Imagino que o ruído diminua com o tempo e algum tiktoker encontre nessa diplomação uma maneira de se profissionalizar na internet e se aperfeiçoar. Ou no Substack. Veremos.
Claro, também é preciso ser um pouco cínico. Não temos essa importância toda e precisamos nos reafirmar continuamente para manter a peteca no ar e os leitores interessados. Por isso, acredito que temos uma tarefa repetitiva de fazer rir, chorar, encantar, revoltar, incentivar boas ações e insistir nos direitos humanos como nosso maior objetivo. O jornalismo também pode buscar algo primordial em nós e era mais ou menos esse meu desejo quando criei newsletter: me sentir renovado no que faço todos os dias da semana e sensibilizar o próximo com a narrativa dos outros que passa por mim.
Enrolei um pouco para dizer que é muito legal que, neste novo espacinho microscópio e tão sofrido do jornalismo, muitos estudantes e jornalistas sejam assinantes da Desinteressante. Mesmo com a minha demora em escrever. Em menos de um ano, foram pouco mais de 10 histórias. Não são os únicos. Várias pessoas com várias profissões estão inscritas e participam dessa contação de causo. Recebo e-mails com sugestões, respostas, indicações de livros, obras e temas e me emociono profundamente.
Além de mim, vejo cada vez mais jornalistas nas newsletters, nos podcasts, no youtube em busca dessa mesma forma de bolo que existe em nós. Quero agradecer a cada um de vocês e deixar claro que Chat GPT aparece todo dia, mas que eles nunca vão saber a sensação de conhecer um estranho e se encantar com todos os desdobramentos improváveis da vida. Quer dizer, talvez em pouco tempo ele saiba.
Um abraço e até a próxima.
O ouro que é essa news é até difícil descrever. E, aliás, aproveitando o gancho, chatGPT nenhum seria capaz de dizer quão valioso é o seu trabalho, Marcos.
Vida longa à Desinteressante, uma das leituras mais interessantes que chega no meu email :)