A história improvável de uma churrascaria gaúcha que virou vegana em Porto Alegre.
Evandro Rodrigues lembra perfeitamente do primeiro almoço na casa da namorada, Zelinda. Ela preparou glúten temperado, um prato que adorava fazer e comer. O formato e consistência, porém, eram estranhos para o namorado. Durante a semana, ele servia espetos cheios de sangue, gorduras, nervos e sal em uma churrascaria em Porto Alegre. Era o seu trabalho: passar de mesa em mesa, anunciar qual membro do boi, frango e porco era servido e, assim, manter o cliente em um estado de veneração a ele, um mensageiro conhecido pelas boas notícias. A organização e rapidez do preparo, os negócios em si, a ambição em atingir o ponto ideal de carne, os aromas levados pela fumaça. Tudo isso estabeleceu nele o senso de pertencimento à cultura gaúcha, da qual havia se tornado um profissional. Ele pegou gosto. A cada mesa servida, sonhava em ter o próprio restaurante.
Zelinda, a namorada, era hare krishna e vegetariana .Quando parou de comer carne, há 30 anos, foi analisada por um médico. A cadeira do consultório jamais se tornaria confortável ante o desconforto de ouvir o diagnóstico clínico e superlativo de uma mãe desesperançosa. “Só pode ter algo de errado”, ouvia. O especialista a enviou para casa onde, ano após ano, ela recolheu à cozinha para preparar a própria comida vegetariana. “Aprendi que toda a vida de um ser vivo deve ser respeitada”, costuma dizer.
Na época, os restaurantes de Porto Alegre serviam, com muita má-vontade, omeletes sem presunto para ovolactovegetarianos. Os funcionários confundiam-se com os pedidos de Zelinda que, quase sempre, ouvia recomendações de peixes e frango como as únicas opções vegetarianas no cardápio. Os almoços fora de casa tornavam-se ainda mais desconfortáveis para ela quando, aos poucos, adotou uma dieta vegana e praticamente foi banida do circuito gastronômico da cidade. Era condenada a um prato com arroz, feijão e alface. Mas, como ninguém passa pela vida sem os efeitos incalculáveis do acaso, em uma noite, no começo dos anos 2000, ela servia glúten para o homem que havia se apaixonado: o garçom de uma churrascaria no centro da cidade.
Anos depois, eles se casaram. Os dois abriram a churrascaria dos sonhos de Evandro, mas Zelinda exigiu que o buffet tivesse muitas saladas e grãos para os vegetarianos. Ele assumiria a churrasqueira e ela serviria o cardápio que desenvolveu em casa: couve-flor à milanesa, abacaxi assado com canela, queijo vegano, polenta, estrogonofe de soja, seitan e pastéis veganos. Apesar de vencer a divisão do cardápio, ela perdeu a batalha pelo nome do restaurante. O negócio foi chamado de Picanha's Grill. O marido mandou confeccionar um letreiro com o número de telefone e propaganda das carnes e sanduíches para atrair a clientela.
No início, Picanha’s foi um fracasso de público. As dívidas cresceram e era preciso reformar o salão. Demorou meses até os primeiros clientes chegarem e, por outro acaso, parte deles elogiar a comida vegetariana concorrente ao churrasco. As filas dobravam o quarteirão com trabalhadores e universitários vegetarianos.
Ao mesmo tempo enquanto o restaurante fazia sucesso, também crescia a apreensão em relação a um vírus contagioso na China -- e os efeitos estavam a caminho da avenida Plínio Kroeff, 1893, onde a paisagem não desperta qualquer fascínio, mas onde um casal decidiu estabelecer o desejo universal de praticar o próprio sonho e, com ele, pagar as contas.
Nos meses seguintes, eles precisaram sobreviver à adaptação. Sabiam que o atrativo de uma churrascaria era o desfile e as tentações dos espetos com carne desfilados ininterruptamente por entre as mesas. A entrega de comida por aplicativo ia mal e as carnes encareciam com a crise global e nacional. Mais uma vez, a união de acontecimentos avassaladores proporcionou uma nova perspectiva na vida de duas pessoas que nada tinham a ver com o destino coletivo da humanidade.
“Que tal se a gente mudar o cardápio inteiro?”, pensaram os dois.“Hoje eu conheço gente que jamais comeu carne na vida. É muito diferente da minha época”, palpitou Zelinda. “É uma comida mais leve, mesmo. Bah, às vezes tu come um Xis e fica empanturrado demais. Uma couve-flor cai bem melhor”, considerou Evandro. Os dois, então, decidiram mudar a operação do restaurante.
Quase três anos depois, eles inauguraram novamente o Picanha 's Grill. Em vez de servir carne, começaram a servir só opções veganas em espetos, como em uma churrascaria com rodízio. Quando o salão foi reaberto, a notícia se espalhou e mais de 100 pessoas apareceram na porta. Nas semanas seguintes, foi preciso criar um sistema de reservas para conseguir uma mesa. A imprensa local também apareceu, os trabalhadores e universitários retornaram e, agora, turistas começaram a escrever boas críticas na internet sobre a comida do Picanha’s.
Nos meses seguintes, eles criaram um combo vegano armazenado em uma embalagem de pizza com batata frita, hambúrgueres, soja e pastéis com molhos veganos. À noite, convidaram músicos para ampliar o atendimento até o jantar e continuaram a fazer entregas. No Natal de 2022, criaram um combo com arroz à grega, medalhão de glúten assado e torta de bolacha -- absolutamente veganos.
Evandro e Zelinda mantiveram apenas uma característica do projeto elaborado anos atrás. O letreiro vermelho foi substituído por um verde, é verdade. O nome do restaurante continua o mesmo, mas na fachada há um acréscimo tão anômalo quanto importante: Picanha’s Grill… Veg.
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Frase desinteressante
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“Eu sou a favor da monarquia. É mais fácil concentrar todos os filhos da puta em uma só família”
(Pessoa anônima no bar, dezembro de 2022)
Link desinteressante
A Variety fez uma reportagem sobre os “nepo babies”, ou bebês do nepotismo. Acontece que todo mundo em HollyWood é filho do filho do sobrinho de alguém.
Boas festas a todos os assinantes de Desinteressante! Vocês são os mais lindos do mundo.
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massa demais, adorei a história!
Estou sem palavras pra essa história. hahahaha
Fui até dar um google pra olhar como ficou o letreiro!